segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Tão tão distante

Tinha uma obra de Louise Bourgeois na exposição Parade (2001/2002), na qual eu trabalhei. A obra era de 1992, intitulada Precious Liquid, pertence ao Centre Pompidou, aliás, como todas as obras daquela exposição.
Lembro-me que eu não gostava muito dela, ou talvez não soubesse muito o que fazer com ela durante a mediação, ficava na saída da exposição, chamava a atenção pelo seu tamanho e forma. Penso que era uma instalação, mas não se podia entrar, perdia um pouco do sentido, eu acho. Mas havia uma frase, não me lembro se exatamente nesta obra ou ao lado, mas era da Louise, a frase era: "art is a guaranty of sanity". Não gostava muito disso na época, não concordava muito com isso, nem sei se concordo com isso hoje, mas passei a ver diferente tais dizeres. Esta frase não saiu da minha cabeça durante todos estes anos, e me lembrei dela agora.
Agora que resolvi escrever mais. Agora que resolvi criar mais com a escrita, tenho garantido, não sei se garantido, mas consegui certa sanidade. A escrita tem sido um processo de cura e começo a gostar mais daquela obra da Luoise B.
A escrita me fez pensar num parente, parente, será? Um parente tão, tão distante, José de Alencar. Tão tão distante no tempo e no espaço. Meu Alencar também é lá do Ceará, será que venho dessa mesma família? Bem, a parte que me cabe desse latifúndio eu não recebi. Mas tenho esse nome.
Lembro-me que li o Guarani, acho que Senhora também, quando eu estava na escola, no 2o. grau. Fiquei achando engraçado eu começar a assinar meus escritos de ficção, meu primeiro romance que resolvi escrever, como Valéria de Alencar ou Val de Alencar. Acho graça.
O Guarani, lembro bem, Senhora, nem tanto, será que eu li, ou foi outro grupo que apresentou o romance em forma de seminário na aula de literatura? Tão tão distante no tempo estas memórias. Resolvi que gostaria de ler de novo, ou algo novo, do meu parente, digamos assim.
Passeando pela Praça da Sé, entrei no Sebo do Messias, sabendo que iria encontrar bem baratinho um livro tão reeditado. De fato, o encontrei e resolvi comprar Cinco minutos, é pequeno, é fininho, lerei rapidinho, enquanto sigo lendo os outros romances e textos acadêmicos que quero e preciso. Afinal, é só curiosidade mesmo. Como será que meu primo, vou elevá-lo ao status de primo, tão tão distante escrevia? Será que escrevemos parecido? 
Comprei, abri e comecei a ler. Tem um início escrito pelos editores, uma biografia de Alencar, e uma lista de suas obras, descubro que Cinco minutos é seu primeiro romance. Vejo tudo isto rapidamente e vou ao texto, que se inicia assim: "É uma história curiosa a que vou lhe contar, minha prima". 

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Tem um limite

"Como foi que você se apresentou? Conseguiu ficar menos tímida?", perguntei ávida para saber como ela havia se saído no primeiro dia na escola nova, e mordi meu lanche.

"Eles perguntaram o que eu gostava, qual era meu projeto de vida, essas coisas, mas eu não tenho um projeto de vida, não sei se eu quero mais astronomia, eu gosto de tanta coisa, quero estudar tudo pra saber do que eu gosto mais, sei lá...", e mordeu o lanche.

"Mas você disse isso?", dei um gole no meu suco de laranja com beterraba que estava muito doce.

"Não, eles iam ficar perguntando, aí eu só respondi: astronomia, pra encurtar", ela disse, porque sabia que respostas claras e objetivas, podem tirar você de situações nas quais você é o foco das atenções, e tomou a tubaína.

O assunto mudou, de fato, com 13 anos a gente não precisa, realmente, ter um projeto de vida, mas eu perguntei: "mas não tem algo que você goste muito, eu quis muitas coisas, estudei muitas coisas, mas sempre, desde pequenininha, sabia que queria ser professora, eu brincava disso, eu brincava de professora, você brincava de quê?" e outro gole no suco.

"Eu brincava de princesa", deu um gole na tubaína e eu acho que fiz uma cara, um olhar, que deve ter dito algo, "de princesa da terra média, porque eu sou sua filha, tudo tem um limite quando se é sua filha", deu um gole na tubaína e quase engasgamos de rir.