quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Religião se discute, e tudo bem, né?

Helena tem uma amiga, uma melhor amiga, o nome dela é Mirian e ela é muçulmana. Mirian nasceu no Iraque, desde que completou nove anos ela usa o véu.
Helena diz que ela não gosta, mas tem que usar.
Bem, mas como religião se discute sim, e se discute numa conversa civilizada e cheia de respeito porque, como a Helena diz, "cada um acredita no que quer, qual o problema?", hoje a conversa foi:

Mirian: na minha religião, as mulheres que não usam o véu vão para o "hell" [a conversa toda foi em inglês, claro, mas estou aqui usando as palavras da Helena].
Helena: eu não acredito no "hell", não acho que existe.
Mirian: eu acho que tem sim.
Helena: olha, eu não tenho religião ainda, não decidi, mas para a religião da minha mãe, que acredita em uma porção de coisas, ela acha que não tem inferno não.

Daí eu perguntei: mas Helena, vocês, conversam numa boa? Vocês não brigam não?
Helena: não mãe, a Mirian não é dessas que acham que só tem uma verdade, a gente conversa, cada uma fala o que pensa, a gente ri e tudo bem, porque tudo bem acreditar no que quiser, né? E tudo bem conversar sobre isso, porque tudo bem.

Aí eu fico cheia de orgulho e penso: essa minha filha tá aprendendo tudo direitinho...



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Consciência histórica e coletividade. O que fazer Sherazade?

Em meio às postagens sobre o metrô de São Paulo, 48 horas de paralisação do metrô de Londres, 5 e 6 de feveriro. Reivindicações trabalhistas.
Caos no trânsito, talvez até mais que em São Paulo, já que o metrô aqui é umas 10 vezes maior.
Povo chegando atrasado, hoje ainda está chovendo para piorar, diria isso o âncora de qualquer telejornal de Sampa.
Entrevistas com os usuários, entrevistas escolhidas para irem ao ar, obviamente, com o "povo" falando: "eles podem reivindicar, mas não precisam atrapalhar tudo", "vou chegar atrasado no trabalho, o chefe vai descontar", "tô perdendo uma reunião importante, quem vai pagar por isso?"
Esse tipo de discurso sempre aparece, numa espécie de curadoria das entrevistas do tipo discurso coxinha. Raramente ou nunca são colocadas no ar falas de apoio às greves. Sim, isso no Brasil.
Aqui não têm essa fala coxinha (aí, tô adorando essa palavra coxinha, explica tanto), talvez tenha, mas eu não vi.
A greve atrapalha muito, o pessoal chega atrasado, reuniões importantes são perdidas, e não venham me dizer que é "país de primeiro mundo", "povo civilizado", pois o metrô aqui tem os problemas daí (talvez não o desvio de verba do PSDB, mas tem, por outro lado, a paranoia de atentados), olhem esse mensagem para os horários de pico:



Fofa, né, o prefeito aqui é muito descolado mesmo.
Mas voltando ao assunto, a educação aqui traz uma consciência histórica que leva ao senso do coletivo, que está na história, num ciclo. Poxa, aqui foi o país da Revolução Industrial e das greves trabalhistas, que são rememoradas e estudadas. Tem, por exemplo, uma parte enorme no Museum of London Docklands falando sobre a greve nas docas no início do XX e uma outra exposição gigante em outro museu falando sobre movimentos sociais. No Brasil, não me lembro de ter visto nenhum museu falando da greve de 1917, mas sobre o Getúlio Vargas, "pai dos pobres", que "criou" a CLT, ah isso tem, como se ele fosse um salvador, deixando de lado toda uma história sobre as lutas trabalhistas.
É essa consciência histórica que não temos no Brasil, o que traz o pior do liberalismo, o individualismo, perde-se o senso do coletivo.
"Podem reivindicar mas não precisa atrapalhar tudo"? Não, o discurso é mais ou menos assim: "podem reivindicar sim, pois amanhã eu posso também".
"Vou chegar atrasado", vou mesmo, mas está todo mundo sabendo do que está acontecendo.
"Tenho uma reunião importante", dê um jeito de ir, tem ônibus, carro, bicicleta... mas o trânsito fica um caos! Saí mais cedo de casa, uai, não é liberalismo? Então, isso também significa que cada um que se vire para cumprir suas obrigações.
Tem coxinha aqui? Deve ter, óbvio. Discurso xenofóbico, por exemplo, aqui na Europa é mato, mas existe uma coisa chamada direitos civis que é muito forte... sabe, a Raquel Sherazade não ia ser âncora de telejornal nenhum aqui, isso eu garanto.

By the way, antes de postar, vai uma nota de rodapé: tenho visto tanta barbaridade que se um professor vai trabalhar consciência histórica no sala de aula, os seguidores do Olavo de Carvalho vão dizer que é a ameaça comunista!!! Afe, OMG, de onde saiu esse cara?????