domingo, 31 de março de 2019

O lugar do outro lado da rua ou quando os portões do inferno foram abertos

Tem um lugar em frente ao meu prédio, um lugar do outro lado da rua. Eu não sei o que é, não tem placa nem nenhum tipo de informação sobre este lugar. Os muros são altos e o portão é fechado, sempre. Às vezes vejo viaturas da PM saindo ou entrando, talvez seja um estacionamento, esta sempre foi minha hipótese. Quartel não é, mas pode ser um lugar de treinamento, também não é uma delegacia, mas tem a ver com militares de alguma forma, este lugar do outro lado da rua.

Hoje, 31 de março de 2019, ao sair pela manhã para ir até o mercado, o portão estava aberto, algumas pessoas, olhei para dentro do lugar do outro lado da rua. Vi uma bandeira do Brasil, vi um sujeito fardado com uma daquelas fardas camufladas, com armas na cintura, vi que dentro acontecia uma festa, uma comemoração dentro do lugar do outro lado da rua...

Eu fiquei mal, mal, triste mesmo...
Este presidente do Brasil abriu os portões do inferno.
Uma música passou pela minha cabeça:


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Tão tão distante

Tinha uma obra de Louise Bourgeois na exposição Parade (2001/2002), na qual eu trabalhei. A obra era de 1992, intitulada Precious Liquid, pertence ao Centre Pompidou, aliás, como todas as obras daquela exposição.
Lembro-me que eu não gostava muito dela, ou talvez não soubesse muito o que fazer com ela durante a mediação, ficava na saída da exposição, chamava a atenção pelo seu tamanho e forma. Penso que era uma instalação, mas não se podia entrar, perdia um pouco do sentido, eu acho. Mas havia uma frase, não me lembro se exatamente nesta obra ou ao lado, mas era da Louise, a frase era: "art is a guaranty of sanity". Não gostava muito disso na época, não concordava muito com isso, nem sei se concordo com isso hoje, mas passei a ver diferente tais dizeres. Esta frase não saiu da minha cabeça durante todos estes anos, e me lembrei dela agora.
Agora que resolvi escrever mais. Agora que resolvi criar mais com a escrita, tenho garantido, não sei se garantido, mas consegui certa sanidade. A escrita tem sido um processo de cura e começo a gostar mais daquela obra da Luoise B.
A escrita me fez pensar num parente, parente, será? Um parente tão, tão distante, José de Alencar. Tão tão distante no tempo e no espaço. Meu Alencar também é lá do Ceará, será que venho dessa mesma família? Bem, a parte que me cabe desse latifúndio eu não recebi. Mas tenho esse nome.
Lembro-me que li o Guarani, acho que Senhora também, quando eu estava na escola, no 2o. grau. Fiquei achando engraçado eu começar a assinar meus escritos de ficção, meu primeiro romance que resolvi escrever, como Valéria de Alencar ou Val de Alencar. Acho graça.
O Guarani, lembro bem, Senhora, nem tanto, será que eu li, ou foi outro grupo que apresentou o romance em forma de seminário na aula de literatura? Tão tão distante no tempo estas memórias. Resolvi que gostaria de ler de novo, ou algo novo, do meu parente, digamos assim.
Passeando pela Praça da Sé, entrei no Sebo do Messias, sabendo que iria encontrar bem baratinho um livro tão reeditado. De fato, o encontrei e resolvi comprar Cinco minutos, é pequeno, é fininho, lerei rapidinho, enquanto sigo lendo os outros romances e textos acadêmicos que quero e preciso. Afinal, é só curiosidade mesmo. Como será que meu primo, vou elevá-lo ao status de primo, tão tão distante escrevia? Será que escrevemos parecido? 
Comprei, abri e comecei a ler. Tem um início escrito pelos editores, uma biografia de Alencar, e uma lista de suas obras, descubro que Cinco minutos é seu primeiro romance. Vejo tudo isto rapidamente e vou ao texto, que se inicia assim: "É uma história curiosa a que vou lhe contar, minha prima". 

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Tem um limite

"Como foi que você se apresentou? Conseguiu ficar menos tímida?", perguntei ávida para saber como ela havia se saído no primeiro dia na escola nova, e mordi meu lanche.

"Eles perguntaram o que eu gostava, qual era meu projeto de vida, essas coisas, mas eu não tenho um projeto de vida, não sei se eu quero mais astronomia, eu gosto de tanta coisa, quero estudar tudo pra saber do que eu gosto mais, sei lá...", e mordeu o lanche.

"Mas você disse isso?", dei um gole no meu suco de laranja com beterraba que estava muito doce.

"Não, eles iam ficar perguntando, aí eu só respondi: astronomia, pra encurtar", ela disse, porque sabia que respostas claras e objetivas, podem tirar você de situações nas quais você é o foco das atenções, e tomou a tubaína.

O assunto mudou, de fato, com 13 anos a gente não precisa, realmente, ter um projeto de vida, mas eu perguntei: "mas não tem algo que você goste muito, eu quis muitas coisas, estudei muitas coisas, mas sempre, desde pequenininha, sabia que queria ser professora, eu brincava disso, eu brincava de professora, você brincava de quê?" e outro gole no suco.

"Eu brincava de princesa", deu um gole na tubaína e eu acho que fiz uma cara, um olhar, que deve ter dito algo, "de princesa da terra média, porque eu sou sua filha, tudo tem um limite quando se é sua filha", deu um gole na tubaína e quase engasgamos de rir.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Meu fornecedor da Praça da Sé

Janeiro... Férias...
Há tempos não via um janeiro assim, nublado, chuvoso... desde que o ano começou posso contar nos dedos de uma das mãos os dias de sol.
Não posso reclamar, estou amando esta temperatura amena para janeiro, mas a preguiça e o tédio aumentam...
Estou aqui, com meus pensamentos, a TV tem poucos canais, programação repetida, já nem sei quantas xícaras de café tomei. Começo a ter fome, ai, essa preguiça me mata, não vou conseguir aguentar, vou ter que sair, ir atrás de mais mercadoria. A leitura é uma fuga, mas até uma certa hora. Escrevo para passar o tempo, mas o meu pensamento voa.
Não tem jeito, começo a ficar impaciente, eu necessito de mais.
Estou longe da Praça da Sé, a mercadoria dos fornecedores daqui do bairro  é de qualidade ruim, já tive muita dor de cabeça por causa disso.
Pelado, meu fornecedor da Praça da Sé, tem o melhor, excelente, sempre me dá uns descontos.
Não aguento, eu preciso, chega de tanto café, já não vou conseguir dormir, preciso de algo mais forte, algo pelo que valha a pena estar acordado.
Calço um sapato qualquer, caminho até a estação de trem, a ansiedade vai me consumindo, será que o Pelado tem novidade? O caminho da baldeação do trem para o metrô na estação Brás parece interminável. Enfim, subo as escadas rolantes em direção à plataforma sentido Barra Funda, duas estações até a Sé. Uma espécie de crise de abstinência toma conta de mim, me faz suar, ou pode ser o clima nublado e abafado pós chuva mesmo.
Saindo do metrô, na Praça da Sé, caminho em direção ao ponto em que Pelado fica. Seu comércio é ilegal, verdade, mas a venda acontece em vários pontos da cidade, todo mundo sabe onde tem. O meu maior problema agora vai ser comprar e ter que voltar pra casa para poder usufruir, não dá para fazer isso no meio da rua. Ai, mas que ansiedade! Cheguei.
"Opa, faz tempo que não passa por aqui". Ao que eu respondo perguntando: " e aí? O que tem de novidade? Queria alguns dos vencedores do Globo de Ouro". E Pelado, meu fornecedor da Praça da Sé, como sempre, nunca falha: "tem sim, é 3 por 10 reais pra você".

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Tal mãe, tal filha


Há um mês a Helena fez 13 anos. Ela foi ao cinema com uma amiga e quando nos encontramos ela disse: mãe, eu tomei um capuccino e gostei.
Pronto, agora foi.
Muito antes de eu ficar grávida eu assistia à Gilmore Girls, traduzido para o português com o título Tal mãe, tal filha. Eu amava e sempre pensava, vou ter uma filha e nossa relação vai ser assim.
Pois, tem sido assim, a gente fala sobre tudo, ela, às vezes é mais ajuizada do que eu mesmo. Só faltava o café. Sim, tomar café juntas, como as Gilmore girls.
Agora a gente vai. Essa foto é do nosso primeiro café juntas. Ok, é capuccino, mas já é um começo. Antes ela ia aos cafés comigo e tomava água. Há um certo quê de diferente quando você se senta com alguém pra tomar um café, parece que deve ser um outro tipo de conversa, mas na verdade não é, só que é.
Vou aos cafés com amigas e amigos, certa de que nossa conversa no café é diferente, tem outro ritmo, outra temperatura, outra trilha sonora, é diferente das conversas em outros lugares, mesmo que assunto seja o mesmo.
Aquela coisa que você pode marcar com antecedência: vamos tomar um café? Ou que você pode estar simplesmente andando e diz: vamos tomar um café? Acho que tem algo como olhar nos olhos, você não está andando e conversando lado a lado, nem tomando cerveja ou vinho e olhos ficam brilhantes. É outro olhar, outro ritmo, outra temperatura...